Prefeitura de SP cria programa para combater abuso sexual nos centros esportivos

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A Prefeitura de São Paulo está desenvolvendo um programa para coibir o abuso sexual contra crianças e adolescentes em seus centros esportivos. A ação envolve treinamento dos servidores públicos e criação de uma política escrita de proteção e um código conduta, com a participação dos familiares. Na primeira fase do programa, que irá até o fim do ano, serão beneficiadas 2000 crianças de 11 centros, entre eles, o Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa, um dos principais berços do esporte de alto rendimento do País, no Ibirapuera. O programa começa nos clubes municipais e deverá se estender para os clubes privados.

Chamado de "Clube Amigo da Criança", o programa desenvolvido pela Secretaria de Esportes e Lazer começou com a capacitação dos servidores. Trata-se de um treinamento para identificar situações de risco, como, por exemplo, se as crianças ficam sozinhas durante o treinamento. Eles são treinados para identificar sinais emocionais (agressividade e introspecção) e físicos (hematomas e cicatrizes) de possíveis abusos. Também aprendem a intervir e indicam para onde encaminhar eventuais denúncias. Desde o início do ano, já foram capacitados 210 servidores, entre gestores regionais, coordenadores de clubes e professores (analistas).

O passo seguinte é a criação de um código de conduta com as diretrizes de comportamentos dos adultos. Outra etapa importante é o monitoramento e avaliação dos centros esportivos, que serão feitos pela própria secretaria e também por entidades como Unicef e Visão Mundial. O programa prevê ainda a adesão de voluntários. Cada clube terá um selo (ouro, prata e bronze) de acordo com as etapas realizadas. O programa começa com foco em 2.000 crianças em 11 clubes municipais - são 47 ao todo. Hoje, os clubes municipais recebem 7.500 crianças e adolescentes até 18 anos.

Gerido pela Secretaria de Esportes e Lazer, o Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa, localizado no Ibirapuera, é um dos participantes do programa. O espaço oferece auxílio transporte, lanche elaborado por nutricionista, atendimento médico e fisioterápico e o treinamento com especialistas em dez modalidades. O centro atende cerca de mil atletas e não cobra nada deles.

"Em torno da iniciação esportiva, gira uma rede de abusadores de crianças e adolescentes que se aproveita da falta de regulamentação e protocolos preventivos nos clubes formadores", diz Carlos Bezerra Junior, secretário de Esportes e Lazer de São Paulo. "Esse é um problema que precisa ser enfrentado. O silêncio só beneficia o abusador. Para enfrentar os abusadores, nós precisamos de informação", conceitua.

PROBLEMA NACIONAL - A ação no município de São Paulo reflete um problema nacional. Dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, obtidos pelo Estado com exclusividade, apontam 101 casos de violência sexual desde 2017 em locais de prática esportiva de todo o Brasil. A maioria das violações envolve abuso sexual (61), mas também foram registrados exploração sexual (24), publicação de conteúdo erótico, pornografia e aliciamento sexual.

Os dados apontam que a maioria das vítimas é do sexo masculino entre 12 e 14 anos. Os números estão baseados no Disque Direitos Humanos, ou Disque 100, serviço de proteção de crianças e adolescentes com foco em violência sexual. Um serviço nacional. Em sua maioria, as denúncias são encaminhadas para os Conselheiros Tutelares e Delegacias de Polícia.

As estatísticas são formadas por casos como o do atleta Ruan Petrick Aguiar de Carvalho, que era jogador das categorias de base do Santos. No ano passado, ele registrou um boletim de ocorrência na Delegacia de Repressão e Combate à Pedofilia em São Paulo acusando o coordenador das categorias de base do Santos, Ricardo Marco Crivelli, conhecido como Lica, de abusar sexualmente dele quando era garoto. O crime teria acontecido em 2010. Na época, Ruan tinha 11 anos. O relatório da Polícia Civil de São Paulo foi entregue ao Ministério Público, em Santos, que ainda não se manifestou. A Justiça vai decidir se as investigações devem prosseguir ou se o caso será arquivado. Lica sempre negou as acusações, mas permanece afastado do clube.

CATEGORIAS DE BASE - Os primeiros estudos sobre o lançamento do programa foram feitos no início do ano. Uma força-tarefa entre as Secretarias de Esportes e Lazer, Urbanismo e Licenciamento, das Subprefeituras e de Justiça verificou as condições de segurança nos alojamentos de atletas em clubes esportivos da capital. Foram vistorias técnicas de segurança que avaliaram, principalmente, as condições de segurança do local, conferindo as instalações elétricas, rotas de fuga, saída de emergência, equipamentos de combate a incêndio, entre outras.

As vistorias dos clubes foram motivadas pelo incêndio que matou dez atletas e deixou três feridos no CT do Flamengo, em fevereiro. "Nós vimos a necessidade de criar outros mecanismos de segurança, além das questões estruturais. É preciso pensar na proteção à criança e ao adolescente de maneira abrangente", diz o secretário, que explicou como surgiu o programa de proteção à criança e ao adolescente.

"Sou médico e ativista pelos direitos humanos. Trabalho com proteção à vítimas de abuso sexual há 15 anos. O segundo aspecto é que, quando fizemos o grupo de trabalho para verificar as condições de segurança dos Centros de Treinamento no início do ano, nós vimos a necessidade de criação de outros mecanismos de segurança para além das questões estruturais, ligadas à eletricidade e incêndio. A mescla dessas motivações resultou nesse debate", disse Carlos Bezerra Junior.

Já ao ser questionado pelo Estado sobre como envolver os clubes privados neste programa da Prefeitura de São Paulo, ele respondeu: "Acredito muito na liderança pelo exemplo. O programa começa nos clubes municipais e vai contagiar os outros clubes. No momento em que a política se mostrar efetiva, os clubes privados vão buscar certificação. Não estamos indo para desconstruir o clube ou sua imagem. Os clubes que cumprirem vão ter uma certificação".

O secretário também lamentou que, pelo fato de o tema abuso sexual ser delicado e muitos evitarem tocar no assunto, pessoas que praticam este tipo de crime acabem não sendo descobertas. "Nesse código de silêncio que se estabelece na sociedade só quem ganha são os abusadores. Para enfrentar os abusadores, nós precisamos de informação. Esse é um programa que busca uma mudança cultural a partir dos nossos clubes, mudando o olhar do servidor em relação à segurança das crianças e envolvendo os pais. Queremos ampliar as conexões entre a sociedade, escola e os clubes", projetou.

E ele também enfatizou: "O esporte é uma ferramenta de transformação social, transforma vidas, muda histórias, gera empregos e muda hábitos. Nossa gestão tem dado visibilidade ao esporte como potência socialmente transformadora".

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